O governo britânico prepara uma reforma ampla na legislação de trânsito que inclui a exigência de exames de visão obrigatórios para condutores com mais de 70 anos. Quem não atingir o padrão mínimo definido poderá ter a carteira de motorista suspensa. A medida integra uma nova estratégia nacional de segurança viária, prevista para ser divulgada no outono europeu, e tenta reduzir o número de mortes nas estradas, estimado em 1,6 mil por ano.
Hoje, os motoristas nessa faixa etária precisam renovar a habilitação e atualizar a foto a cada três anos, mas cabe a cada um declarar à autoridade de trânsito se possui alguma condição que comprometa a aptidão visual. O Reino Unido é um dos três países europeus que ainda adotam esse sistema de autodeclaração. O plano em elaboração prevê que, no ato da renovação, o condutor apresente comprovação de avaliação oftalmológica recente. Caso o resultado fique abaixo do nível exigido, a licença de dirigir será cassada.
A proposta ganhou força após um inquérito que investigou quatro mortes provocadas por motoristas idosos com problemas de visão. Na ocasião, o legista responsável classificou o modelo de licenciamento britânico como o “mais brando da Europa” e alertou para a necessidade de fiscalização mais rigorosa. Em relatório enviado à Secretaria de Transportes, ele apontou falhas na aplicação dos padrões atuais e descreveu o sistema como “ineficaz, inseguro e inadequado”.
De acordo com uma fonte do governo, a intenção é endurecer regras e penalidades para diminuir custos humanos e financeiros. Estimativas oficiais calculam que as colisões fatais e graves gerem despesas superiores a 2 bilhões de libras por ano ao sistema público de saúde. “Nenhum outro setor aceitaria tamanha perda anual”, afirmou o interlocutor.
Além dos testes de visão, o pacote em discussão contempla outras mudanças. Entre elas está a redução do limite de álcool permitido ao volante na Inglaterra e no País de Gales, de 35 microgramas para 22 microgramas de álcool por 100 mililitros de ar expirado, alinhando-se ao parâmetro adotado na Escócia desde 2014. Segundo o Instituto de Estudos sobre Álcool, a diminuição do limite escocês não provocou queda estatística nos acidentes, mas contribuiu para aumentar a rejeição social à prática de beber e dirigir.
Também está sobre a mesa a atribuição de pontos na carteira para quem viajar sem cinto de segurança, a autorização para que a polícia utilize testes de saliva como prova em casos de direção sob efeito de drogas e a exigência de avaliações médicas para condições como demência. Dependendo da atribuição legal de cada tema e dos acordos de devolução de poderes, as mudanças podem ser aplicadas em toda a Grã-Bretanha ou restringir-se a determinadas nações do Reino Unido.
Organizações ligadas ao trânsito manifestaram apoio parcial às medidas. O presidente da Associação Automobilística (AA), Edmund King, observou que condutores acima de 70 anos, em geral, apresentam bom histórico de segurança, mas concordou que o exame de vista obrigatório representa “um preço baixo a pagar” para aumentar a proteção nas rodovias. Ele ressaltou, contudo, que os picos de acidentes letais ocorrem principalmente entre motoristas muito jovens ou acima dos 80 anos.

Imagem: bbc.com
Especialistas ouvidos defendem que a checagem de capacidade visual seja estendida a todas as idades. Ex-policial de trânsito e fundador do Fórum de Motoristas Idosos, Rob Heard relatou ter presenciado mais de 300 fatalidades ao longo da carreira e afirmou que “qualquer medida que evite perda de vidas é bem-vinda”. A aposentada Kay Hine, ex-proprietária de uma ótica, argumentou que todo condutor deveria portar um comprovante recente de aptidão visual, prática já adotada em diversos países europeus.
A implementação enfrenta desafios práticos. Peter Browne, 73 anos, morador de Great Yarmouth, declarou ter tentado marcar consulta oftalmológica sem sucesso e questionou se a responsabilidade por eventual impedimento de dirigir seria dele ou do serviço público de saúde. O caso ilustra a preocupação com a capacidade do sistema de absorver a demanda adicional por exames.
O Ministério da Justiça descreveu a iniciativa como a maior revisão das leis de trânsito “em décadas”, mas enfatizou que o conteúdo ainda passará por consulta pública. A pasta descartou, no momento, a introdução de licenças graduais para motoristas recém-habilitados, mecanismo defendido por familiares de vítimas de acidentes, sob o argumento de que poderia discriminar jovens.
A versão final do plano deverá detalhar cronograma de execução, critérios técnicos e sanções. Até sua publicação, o governo informou que manterá todas as propostas sob análise, considerando contribuições de especialistas, entidades de classe e cidadãos.