As águas que circundam o Reino Unido registraram, entre janeiro e o fim de julho, o início de ano mais quente desde o início das medições, segundo análise de dados provisórios do Met Office. A temperatura média da superfície do mar ficou mais de 0,2 °C acima de qualquer valor observado desde 1980, diferença que, embora pareça pequena, indica um aquecimento expressivo em relação às últimas décadas.
O aumento está associado, principalmente, ao acúmulo de calor gerado pela queima de combustíveis fósseis, responsável por aprisionar energia na atmosfera e, consequentemente, nos oceanos. Aproximadamente 90 % do calor extra produzido pelos gases de efeito estufa é absorvido pelos mares, processo que favorece a ocorrência de ondas de calor marítimas mais frequentes e intensas.
Condições de onda de calor — períodos prolongados com temperaturas da superfície acima do habitual — foram registradas em diferentes pontos da costa britânica praticamente durante todo o ano. Boias de monitoramento do programa WaveNet, operado pelo Centro de Meio Ambiente, Pesca e Aquicultura (Cefas), confirmaram valores excepcionais, reforçando a tendência de aquecimento observada em 2023 e 2024 e agora novamente em 2025.
Transformações no ecossistema
O calor modificou a composição da vida marinha. Observadores profissionais e amadores relatam a presença de espécies antes pouco comuns, entre elas atum-rabilho (bluefin tuna), águas-vivas mauve stinger, salpas e polvos. Esses organismos tendem a responder rapidamente às mudanças de temperatura, funcionando como indicadores precoces de alterações mais amplas no ecossistema.
Nos últimos anos, grandes cardumes de atum-rabilho foram registrados com frequência crescente no sudoeste da Inglaterra. Pesquisadores atribuem o fenômeno a fatores combinados: águas mais quentes, melhoria no gerenciamento das populações e ciclos naturais de abundância. Em expedições de pesca recreativa, é possível observar grupos de dezenas de peixes em frenéticas perseguições de presas perto da superfície.
Outro exemplo é a proliferação de salpas — organismos transparentes que lembram águas-vivas e costumam formar longas correntes gelatinosas. Mergulhadores que exploram semanalmente a costa da Cornualha relatam cruzar “paredões” luminosos desses invertebrados, visão considerada rara no passado recente.
Enquanto espécies de águas mais quentes avançam, organismos adaptados ao frio enfrentam dificuldades. Bacalhau e peixe-lobo, tradicionais nos mares do Norte, apresentam deslocamento para latitudes maiores em busca de condições mais amenas. A sobrepesca histórica agrava a vulnerabilidade desses estoques, que agora precisam lidar também com temperaturas além de seu limite fisiológico.

Imagem: bbc.com
Impacto para a pesca
A mudança na distribuição das espécies já repercute sobre comunidades pesqueiras. Em Whitstable, na costa norte de Kent, o pescador Ben Cooper depende principalmente do búzio-comum (whelk), um molusco de água fria. Em 2022, uma onda de calor marítima no estuário do Tâmisa provocou mortalidade em massa do recurso, responsável por aproximadamente 75 % da renda de sua embarcação. O episódio obrigou a reduzir operações, e a recuperação parcial observada desde então pode ser comprometida se novos picos de temperatura ocorrerem.
Nas décadas de 1980, a pesca local contava com o bacalhau como principal espécie-alvo. Com o aquecimento progressivo, o peixe recuou para o norte, deixando de ser economicamente viável para frotas do sudeste inglês. Especialistas do Cefas alertam que mudanças semelhantes devem se intensificar, exigindo adaptação tanto de pescadores quanto de consumidores quanto às espécies capturadas e demandadas.
Relação com o clima global
Além de afetar a biodiversidade e a economia costeira, mares mais quentes influenciam o clima sobre o território britânico. A redução da brisa fresca marítima pode potencializar ondas de calor em terra, enquanto a maior evaporação fornece umidade capaz de intensificar episódios de chuva forte. Outro efeito indireto é a menor capacidade de absorção de dióxido de carbono pelo oceano aquecido, fator que pode acelerar o aquecimento planetário.
O Met Office ressalta que os dados de final de junho a julho ainda são provisórios, mas alterações significativas são improváveis. A expectativa dos modelos climáticos é de que eventos de calor extremo no mar se tornem mais comuns e graves nas próximas décadas, acompanhando a tendência global de elevação da temperatura média.
Diante desse cenário, cientistas avaliam que a composição biológica dos mares do Reino Unido continuará em rápida transformação. A continuidade do aquecimento implica ajuste nos métodos de pesca, revisão de políticas de conservação e maior atenção à resiliência das comunidades costeiras, que já sentem na prática os impactos de um oceano em mutação acelerada.