Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) anunciaram a criação, por meio de inteligência artificial, de duas moléculas com potencial para atuar como novos antibióticos capazes de eliminar cepas resistentes de Neisseria gonorrhoeae e de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA). Os compostos foram desenvolvidos átomo por átomo por um sistema de geração de moléculas e demonstraram eficácia em testes laboratoriais e em modelos animais, representando um possível avanço no combate às chamadas “superbactérias”.
Como a IA foi treinada
A equipe alimentou o algoritmo com a estrutura química de antibióticos conhecidos e dados sobre a capacidade de cada substância de inibir diferentes espécies bacterianas. Após o treinamento, o sistema passou a relacionar padrões moleculares com atividade antibacteriana, aprendendo a prever como mudanças na composição atômica influenciam a eficácia contra diversos microrganismos.
Na etapa seguinte, os cientistas submeteram o programa a uma biblioteca de 36 milhões de compostos, incluindo substâncias ainda não sintetizadas ou sequer descritas na literatura. O objetivo era gerar candidatos inéditos, livres de semelhanças marcantes com antibióticos já existentes e, ao mesmo tempo, seguros para uso humano.
Duas estratégias de geração
Foram aplicadas duas abordagens distintas. Na primeira, a inteligência artificial buscou fragmentos de oito a 19 átomos que pudessem servir como ponto de partida para a construção de moléculas maiores. Na segunda, o sistema recebeu liberdade total para projetar estruturas do zero. Em ambos os métodos, filtros adicionais excluíram fórmulas provavelmente tóxicas ou que lembrassem detergentes, evitando a criação de substâncias inadequadas para uso clínico.
Resultados em laboratório e em animais
Entre as moléculas teoricamente promissoras contra a gonorreia, 80 foram selecionadas para avaliação detalhada. Entretanto, apenas duas puderam ser sintetizadas, devido à complexidade química de parte dos candidatos. Após a produção em pequena escala, os compostos foram testados in vitro e demonstraram ação bactericida contra cepas de N. gonorrhoeae que já não respondem a tratamentos convencionais. Procedimento semelhante levou à seleção e síntese de um candidato eficaz contra MRSA.
Em experiências posteriores com camundongos infectados, as novas substâncias reduziram significativamente a carga bacteriana, indicando potencial para uso terapêutico. Apesar desses resultados positivos, os pesquisadores estimam que serão necessários de um a dois anos de refinamento para ajustar propriedades farmacológicas antes do início de ensaios clínicos em humanos.

Imagem: bbc.com
Rumo a uma nova geração de antibióticos
A resistência bacteriana provoca mais de um milhão de mortes anuais em todo o mundo, cenário agravado pelo uso excessivo de antibióticos e pela escassez de novas drogas nas últimas décadas. A aplicação de inteligência artificial em descoberta de fármacos vem sendo apontada como forma de superar a estagnação do setor, e o trabalho do MIT reforça a expectativa de uma “segunda era de ouro” na pesquisa de agentes antimicrobianos.
Mesmo assim, especialistas destacam desafios adicionais. Modelos computacionais precisam prever não apenas atuação em laboratório, mas também eficácia e segurança no organismo humano. Além disso, as moléculas geradas podem ser difíceis de fabricar em larga escala, como demonstrado pela baixa taxa de síntese entre os 80 candidatos iniciais para gonorreia.
Outro ponto crítico envolve a sustentabilidade financeira. Do ponto de vista da saúde pública, o ideal é reservar antibióticos inovadores para casos específicos, a fim de retardar o surgimento de novas resistências. Esse uso restrito, porém, reduz o potencial de retorno sobre o investimento, desencorajando empresas a financiar as etapas onerosas de ensaios clínicos e produção comercial.
Apesar das barreiras, o estudo do MIT indica que plataformas de geração de moléculas podem acelerar significativamente a identificação de compostos ativos, diminuindo custos nas fases iniciais de pesquisa. Se confirmados em humanos, os dois novos antibióticos projetados por inteligência artificial poderão integrar o arsenal contra infecções resistentes, que hoje representam uma ameaça crescente aos sistemas de saúde.