Bolívia deve eleger primeiro presidente fora da esquerda em quase duas décadas

Novidade

A Bolívia caminha para pôr fim a quase 20 anos de governos de orientação socialista. Resultados preliminares divulgados pelo Tribunal Supremo Eleitoral indicam que o senador Rodrigo Paz Pereira, do Partido Democrata Cristão, liderou o primeiro turno presidencial realizado no domingo, seguido pelo ex-presidente Jorge Quiroga. Como nenhum dos dois atingiu a maioria absoluta, um segundo turno entre ambos foi marcado para outubro.

Paz Pereira despontou como surpresa. Pesquisas de intenção de voto apontavam o empresário Samuel Doria Medina como favorito, mas o senador conquistou a dianteira ao prometer redistribuir recursos da administração central para estados e municípios, além de combater a corrupção. O candidato defende linhas de crédito a juros reduzidos, incentivos fiscais para formalizar empresas e a eliminação de barreiras de importação de produtos que o país não fabrica.

Quiroga, por sua vez, ocupou a Presidência de forma interina entre 2001 e 2002, após servir como vice de Hugo Banzer. A eventual vitória de qualquer um dos dois representará a primeira escolha de um mandatário fora do espectro de esquerda desde 2006, quando Evo Morales assumiu o poder.

A mudança de orientação política tende a refletir-se na política externa. Ambos os finalistas defendem ambiente favorável a investimentos estrangeiros, sobretudo na cadeia do lítio, recurso abundante no Salar de Uyuni e considerado essencial para baterias de veículos elétricos, computadores portáteis e painéis solares. Analistas esperam aproximação maior com os Estados Unidos, em contraste com a estratégia adotada pelos governos do Movimiento al Socialismo (MAS), que aprofundaram laços com China, Rússia e Irã. Um relatório recente do Congresso norte-americano classificou as relações entre Washington e La Paz como “tensas” durante a gestão socialista.

O pleito ocorre em meio à pior crise econômica boliviana em anos. O país enfrenta escassez de combustíveis, queda nas reservas internacionais, falta de alguns alimentos, inflação elevada e endividamento crescente. Pesquisas anteriores à votação já apontavam forte desejo do eleitorado por mudança e intenção de penalizar o MAS, partido que conduziu o governo durante a maior parte das últimas duas décadas.

O atual presidente, Luis Arce, decidiu não concorrer à reeleição diante dos baixos índices de aprovação. O postulante do MAS, Eduardo del Castillo, enfrentou hostilidade pública: ao votar, foi vaiado por eleitores que o instaram a ficar na fila “como na fila da gasolina”. Já Andrónico Rodríguez, que liderava as preferências dentro da esquerda após romper com o MAS, teve pedras lançadas contra si ao chegar à seção eleitoral. No mesmo local, um artefato explosivo foi detonado; não houve feridos, e Rodríguez classificou o episódio como ação isolada.

Além do desgaste econômico, a esquerda enfrenta fragmentação interna. Pela primeira vez desde 2005, Evo Morales não disputou a Presidência. Impedido judicialmente de concorrer a um quarto mandato, o ex-chefe de Estado orientou seus simpatizantes a anular o voto. Morales e Arce, antes aliados, vivem uma disputa de poder que se intensificou após a eleição de 2020, quando Arce assumiu o cargo com apoio do ex-presidente, mas depois perdeu maioria legislativa.

A crise de liderança socialista remonta a 2019, quando Morales venceu eleições contestadas por auditoria internacional e renunciou sob pressão das Forças Armadas. A sucessão turbulenta, os protestos e a posterior volta de Morales ao país aprofundaram as divisões no MAS. Nos últimos anos, bloqueios de estradas organizados por seus apoiadores provocaram episódios de violência, inclusive mortes de socorristas. A Justiça boliviana também expediu mandado de prisão contra o ex-presidente sob acusação de envolvimento com uma adolescente de 15 anos, caso que ele atribui a perseguição política.

O Tribunal Eleitoral informou que a apuração completa pode levar até três dias. Enquanto isso, Paz Pereira e Quiroga iniciam articulações para a segunda etapa da campanha, buscando o apoio de eleitores que se dispersaram entre candidatos menores. Os resultados definitivos, quando confirmados, marcarão o fim de um ciclo político e abrirão espaço para redefinição das políticas econômica e externa do país andino.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.