Ex-piloto da RAF afirma que voo de Chinook que matou 29 era demonstração de segurança

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Um ex-piloto de testes da Força Aérea Real britânica (RAF) declarou que o helicóptero Chinook ZD576, acidentado em 2 de junho de 1994 sobre o Mull of Kintyre, na Escócia, foi utilizado como “voo de demonstração” destinado a provar a confiabilidade da versão Mark 2 da aeronave, apesar de alertas anteriores sobre sua segurança. O acidente, que ocorreu em condição de neblina densa, provocou a morte dos quatro tripulantes e de 25 passageiros, somando 29 vítimas, e permanece como uma das maiores perdas da RAF em tempo de paz.

O novo relato foi apresentado pelo agora reformado Squadron Leader Robert Burke, responsável por testes de voo em RAF Odiham à época. Segundo ele, engenheiros e pilotos de ensaio já haviam registrado preocupações quanto à aeronavegabilidade do modelo Mark 2, introduzido para substituir o Mark 1. Mesmo assim, de acordo com Burke, a aeronave teria sido escolhida para transportar um grupo de alto nível a fim de convencer o Exército britânico de que o programa de modernização seguia dentro do cronograma e sem riscos relevantes.

Entre os passageiros estavam oficiais seniores de órgãos de segurança que viajavam de RAF Aldergrove, na Irlanda do Norte, para Fort George, próximo a Inverness, onde participariam de uma conferência relacionada ao conflito na Irlanda do Norte. Documentos já divulgados mostram que os pilotos solicitaram, antes da decolagem, utilizar um Chinook Mark 1 ou dois helicópteros Puma de prontidão. O pedido não foi atendido.

A versão apresentada por Burke ganhou destaque porque a BBC programou para este fim de semana a reapresentação de um documentário que, originalmente, levantou dúvidas sobre a segurança do Mark 2. O ex-piloto sugeriu ainda que disputas internas entre Exército e RAF influenciaram a escolha da aeronave, classificando a missão como um “gesto” voltado a encerrar divergências e qualificado por ele como “ato imprudente”.

Familiares das vítimas reagiram às revelações. Patricia Conroy, filha do detetive chefe superintendente Desmond Conroy, de 55 anos, disse sentir “um aperto no estômago” ao perceber que o voo teria sido realizado para resolver um impasse administrativo. Diversas famílias encaminharam carta aberta ao governo do Reino Unido reiterando a exigência de uma nova investigação pública. Na semana passada, o primeiro-ministro britânico respondeu afirmando que não considera a medida de interesse público.

Desde 1994, o desastre foi alvo de seis investigações, incluindo uma revisão conduzida por um juiz independente. Os dois pilotos, inicialmente apontados como negligentes, foram absolvidos 17 anos depois. Apesar disso, parentes das vítimas sustentam que persistem lacunas significativas, especialmente após a confirmação de que parte dos arquivos oficiais permanecerá sob sigilo por um século.

Ex-piloto da RAF afirma que voo de Chinook que matou 29 era demonstração de segurança - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Em nota, o Ministério da Defesa (MoD) expressou solidariedade às famílias, classificou o ocorrido como “acidente trágico” e reiterou que as circunstâncias já foram examinadas de forma exaustiva. Segundo a pasta, a abertura de um novo inquérito dificilmente traria evidências inéditas ou conclusões distintas das alcançadas previamente.

A discussão sobre uma eventual reabertura do caso ganhou força depois que Robert Burke compartilhou seu relato em conversas recentes com parentes das vítimas. Ele sustenta que, no contexto de 1994, havia pressão para demonstrar que a modernização da frota não comprometeria o cronograma operacional, razão pela qual o voo partindo de um aeródromo militar na Irlanda do Norte com destino a outro na Escócia teria sido considerado oportunidade ideal.

Além das questões ligadas à segurança do Mark 2, permanece controvérsia sobre o sigilo dos documentos relacionados ao acidente. Para os familiares, o bloqueio de 100 anos reforça a percepção de tentativa de ocultação. O MoD argumenta que a restrição segue normas arquivísticas e não impede o acesso a informações já publicadas em relatórios anteriores.

Enquanto o governo resiste à ideia de nova investigação, o episódio continua a suscitar questionamentos sobre transparência, responsabilidade institucional e processos de certificação de aeronaves militares. Três décadas depois, a tragédia do Chinook ZD576 permanece no centro do debate sobre segurança operacional e prestação de contas nas Forças Armadas britânicas.

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