Mais de 100 organizações não governamentais internacionais divulgaram uma carta conjunta solicitando ao governo de Israel que encerre o que classificam como “instrumentalização” da ajuda humanitária destinada à Faixa de Gaza. A mensagem, tornada pública 55 minutos atrás, alerta que a escassez de alimentos e medicamentos se aprofunda enquanto novas regras israelenses limitam a entrada de suprimentos.
Entidades como Oxfam, Médicos Sem Fronteiras (MSF) e American Near East Refugee Aid (Anera) afirmam que, desde 2 de março, poucas ou nenhuma carga enviada por grandes ONGs conseguiu atravessar os pontos de controle rumo ao território palestino. Segundo o documento, as autoridades israelenses têm negado autorização de transporte a dezenas de grupos por não atenderem às exigências impostas em março.
As diretrizes atualizadas determinam que ONGs forneçam informações detalhadas sobre funcionários palestinos, façam novo registro institucional e estejam sujeitas a revogação de credenciamento caso “deslegitimem” o Estado de Israel ou questionem seu caráter democrático. O texto do Ministério de Assuntos da Diáspora, responsável pelas normas, prevê ainda veto a organizações consideradas ligadas a campanhas de boicote ou a atividades hostis.
Israel nega estar impondo restrições à ajuda e sustenta que as regras garantem que o trabalho humanitário respeite seus “interesses nacionais” e impeça o desvio de material para o Hamas, acusação rebatida pelo movimento palestino. O ministro da pasta, Amichai Chikli, declarou à agência AFP que a permissão será concedida a instituições sem ligações com “atividade violenta” ou com o movimento de boicote.
De acordo com a carta, somente em julho mais de 60 pedidos de entrada de mercadorias foram recusados. O bloqueio, dizem as organizações, mantém hospitais sem insumos básicos e resulta em mortes de crianças, idosos, pessoas com deficiência e pacientes que dependem de tratamento para enfermidades evitáveis.
O diretor executivo da Anera, Sean Carroll, relata que a entidade tem cerca de US$ 7 milhões em suprimentos emergenciais retidos no porto de Ashdod, a poucos quilômetros de Gaza. Entre o material bloqueado há 744 toneladas de arroz, suficientes para preparar seis milhões de refeições. Já a Oxfam calcula ter tido mais de US$ 2,5 milhões (equivalente a €1,8 milhão) em mercadorias rejeitadas pelos controladores israelenses.
Bushra Khalidi, responsável por políticas públicas da Oxfam, afirma que o processo de registro coloca em risco a independência das organizações e a capacidade de denunciar violações. No comunicado, a coordenadora de emergências da MSF em Gaza, Aitor Zabalgogeazkoa, descreve que o “esquema militarizado de distribuição de alimentos” acabou transformando a fome em arma de guerra.

Imagem: bbc.com
O debate ocorre no momento em que Israel intensifica bombardeios a Gaza City, etapa anterior ao plano anunciado de controle terrestre da região. As Forças de Defesa de Israel informam que pretendem assegurar ajuda humanitária a civis fora das zonas de combate, mas não especificaram se a entrega será feita pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês), criada com apoio de Israel e Estados Unidos.
Relatório das Nações Unidas divulgado neste mês contabiliza 859 palestinos mortos nas proximidades de instalações administradas pela GHF desde maio, número contestado pela fundação. O secretário-geral da MSF, Chris Lockyear, disse à BBC que o local virou “armadilha mortal” e que a situação humanitária “se sustenta por um fio”.
Os apelos das ONGs são apresentados em meio a dados divergentes sobre o conflito iniciado após o ataque do Hamas em 2023, quando cerca de 1.200 pessoas morreram em Israel e 251 foram feitas reféns. Segundo o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas, quase 62.000 palestinos morreram desde então na ofensiva israelense, incluindo 235 vítimas atribuídas à fome e à desnutrição.
As entidades signatárias defendem que a suspensão imediata das exigências de registro e o acesso livre de caminhões com alimentos, medicamentos e combustível são condições mínimas para evitar o agravamento da crise. Até o momento, não houve sinal público de alteração das políticas por parte de Israel.